MATÉRIA PUBLICADA NA REVISTA VEJA - BELO HORIZONTE - 25 DE JUNHO DE 2014.
Republicada na íntegra.
Guardião do patrimônio histórico, o promotor Marcos Paulo de Souza Miranda recupera peças sacras que foram saqueadas em Minas Gerais
Graças aos esforços da equipe que ele comanda, mais
de 600 obras roubadas de igrejas mineiras já foram encontradas
por Glória Tupinambás | 25 de Junho de 2014
Miranda em meio a imagens resgatadas: luta pela
conservação do barroco
O ano era 982. Os mouros invadiam Portugal e
queimavam igrejas e imagens de santos. Em busca de proteção, guerreiros
cristãos ergueram uma muralha no norte do país e, sobre a porta principal,
construíram um altar para Nossa Senhora do Porto, venerada a cada batalha vitoriosa.
Nos idos de 1600, o culto à santa cruzou o oceano e ela se tornou padroeira do
velho Arraial do Turvo, hoje Andrelândia, no Sul de Minas. Quem acredita em
milagres certamente vai dizer que não é por acaso que nessa pequena cidade
nasceu, há quarenta anos, um guardião de ícones sagrados. À frente da
Promotoria Estadual de Defesa do Patrimônio Cultural e Turístico, Marcos Paulo
de Souza Miranda ajudou a devolver aos altares mais de 600 peças sacras
saqueadas de igrejas mineiras. Parte desse tesouro integra a exposição
Patrimônio Recuperado, em cartaz até 20 de julho no Museu Mineiro. Capítulos da
história de luta pela preservação do barroco também são narrados no livro O
Aleijadinho Revelado, o 19º da sua carreira, a ser lançado em BH, no próximo
dia 25.
A paixão de Miranda pelo patrimônio começou muito antes de ele vestir terno e gravata e assumir vaga no Ministério Público. Adolescente, ao participar de expedições a cavernas, mobilizou-se para ajudar a criar, em Andrelândia, o Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio, com 600 pinturas rupestres. Mais tarde, já formado em direito e aprovado no concurso para promotor, foi atuar em Piranga, na Zona da Mata, sede de uma das paróquias mais antigas de Minas. Foi ali que, em 2003, ele atuou pela primeira vez em processos criminais contra quadrilhas paulistas acusadas de saquear peças sacras. O trabalho deu origem ao Grupo Especial de Proteção ao Patrimônio Cultural das Cidades Históricas de Minas, que atuava em trinta comarcas do circuito do ouro e dos diamantes. Em 2005, Miranda se mudou para a capital e fundou a promotoria especializada em patrimônio.
“Estimamos que 60% das peças sacras do estado tenham se perdido”, lamenta Miranda. Segundo ele, há registros de furtos em igrejas desde o século XVIII, quando o principal alvo era a prataria. Mas a Semana de Arte Moderna de 1922 foi um divisor de águas. “Em busca de uma identidade nacional, o barroco e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, se tornaram ícones, e ficou chique ter uma peça dessas em casa”, conta, ressaltando que os saqueadores passaram a procurar o valor artístico das obras, e não apenas o material. Para resgatar objetos, o promotor coordenou, junto com a Polícia Federal e institutos de defesa do patrimônio, dezenas de operações, como a Pau Oco e a Senhora do Rosário. Paralelamente ao trabalho de guardião, Miranda desenvolveu, durante vinte anos, um estudo sobre a vida do maior mestre barroco e patrono das artes no país, Aleijadinho. O resultado da pesquisa, realizada no Brasil e em Portugal, é tema do seu novo livro. Uma das revelações é sobre a real data de nascimento de Aleijadinho. “Não foi nem em 1730 nem em 1738, como se pensava, mas em 1737”, diz Miranda. “Também conto sobre uma exumação clandestina em sua ossada, feita por ingleses, e as influências da família, composta de carpinteiros de corporações medievais.” Uma lição de história.
A paixão de Miranda pelo patrimônio começou muito antes de ele vestir terno e gravata e assumir vaga no Ministério Público. Adolescente, ao participar de expedições a cavernas, mobilizou-se para ajudar a criar, em Andrelândia, o Parque Arqueológico da Serra de Santo Antônio, com 600 pinturas rupestres. Mais tarde, já formado em direito e aprovado no concurso para promotor, foi atuar em Piranga, na Zona da Mata, sede de uma das paróquias mais antigas de Minas. Foi ali que, em 2003, ele atuou pela primeira vez em processos criminais contra quadrilhas paulistas acusadas de saquear peças sacras. O trabalho deu origem ao Grupo Especial de Proteção ao Patrimônio Cultural das Cidades Históricas de Minas, que atuava em trinta comarcas do circuito do ouro e dos diamantes. Em 2005, Miranda se mudou para a capital e fundou a promotoria especializada em patrimônio.
“Estimamos que 60% das peças sacras do estado tenham se perdido”, lamenta Miranda. Segundo ele, há registros de furtos em igrejas desde o século XVIII, quando o principal alvo era a prataria. Mas a Semana de Arte Moderna de 1922 foi um divisor de águas. “Em busca de uma identidade nacional, o barroco e Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho, se tornaram ícones, e ficou chique ter uma peça dessas em casa”, conta, ressaltando que os saqueadores passaram a procurar o valor artístico das obras, e não apenas o material. Para resgatar objetos, o promotor coordenou, junto com a Polícia Federal e institutos de defesa do patrimônio, dezenas de operações, como a Pau Oco e a Senhora do Rosário. Paralelamente ao trabalho de guardião, Miranda desenvolveu, durante vinte anos, um estudo sobre a vida do maior mestre barroco e patrono das artes no país, Aleijadinho. O resultado da pesquisa, realizada no Brasil e em Portugal, é tema do seu novo livro. Uma das revelações é sobre a real data de nascimento de Aleijadinho. “Não foi nem em 1730 nem em 1738, como se pensava, mas em 1737”, diz Miranda. “Também conto sobre uma exumação clandestina em sua ossada, feita por ingleses, e as influências da família, composta de carpinteiros de corporações medievais.” Uma lição de história.