Publicado
por Luiz
Flávio Gomes -
Cacá Diegues bem sintetizou a
problemática: “A internet é um espaço de progresso humano, através dela podemos
dizer o que pensamos a um número superior de pessoas, além de nossas relações.
Até acho mesmo que, de algum modo, ela nos levará a uma nova forma de gestão
política em que poderemos dispensar a representação dos que não nos
representam. Mas não aguento mais receber ‘informes políticos’ insanos de
ativistas de todos os partidos, nessas vésperas de eleições. São textos do mais
baixo nível, contendo óbvias infâmias e mentiras ostensivas, conclamando os
destinatários a ações antidemocráticas contra o governo ou contra a oposição,
numa linguagem primária, desprovida de sentido e grosseira. A internet pode ser
também um espaço de irresponsabilidade e de apologia da violência política.
Como não podemos mais abrir mão dela, cabe a nós tentar evitar que isso acabe
acontecendo” (Globo 9/8/14: 20).
Nossa primeira alma é composta do Eu nas relações
comunitárias menores: família, local do trabalho, escola, bairro etc. Nesse
ambiente reduzido sabemos do nosso valor, da importância que temos para os
outros, do respeito ao outro etc. A segunda alma (dilacerada) surgiu quando o
Eu passou a viver em grandes cidades (onde a despersonalização é a regra). É aí
que sentimos nosso pouco valor, um ser composto de quase nada e cuja existência
muitas vezes fica sem sentido algum.
Essa segunda alma depauperada (nos grandes centros
urbanos) foi substituída pela alma digital, que apareceu com a internet.
Esta proporcionou a recuperação do Eu, a exteriorização da espontaneidade não
refinada, a ilusão de que temos enorme valor, a sensação de que somos
relevantes perante o mundo, a liberdade (que a democracia nos confere) de
opinar sobre tudo e sobre todos; tudo isso, no entanto, sem as mediações da
civilização, da ética e dos bons costumes (Gomá Lanzón).
Do “Penso, logo existo” passamos para o “Existo ou
apareço (com minhas postagens), depois eu penso”. É a negação completa do
pensamento do filósofo Descartes. O Eu não civilizado, não domesticado
moralmente, mas independente e livre por força da democracia, tem todo direito
de existir e de expressar publicamente suas ideias, tanto quanto o civilizado,
quanto o mais seleto grupo cultural (afinal, todos são dotados da mesma
dignidade ao nascer). Nisso consiste a igualação da democracia, que é marcada,
no entanto, pela desigualação moral de cada um dos seus membros.
A prazerosa vulgaridade se instalou na nossa
cultura (Gomá Lanzón 2009: 12). Tornou-se um direito de todos. É fruto da
sonhada igualdade e liberdade (inerentes ao sistema político democrático).
Normalmente o exercício dessa prazerosa vulgaridade não traz maiores
consequências para o indivíduo ou para a coletividade. Em outras ocasiões sim,
ela se torna nefasta.
A privacidade (mundo recatado do qual as pessoas se
orgulhavam) foi vencida pela extimidade (colocação da intimidade para fora),
que é comandada pelo “Apareço, logo existo”. Primeiro postar, depois pensar. Há
coisas fantásticas na democracia e na internet. Ao lado delas, também vemos
igualitarismo, massificação e profunda mediocridade: três frutos da democracia
(dizia Tocqueville), especialmente da digital (acrescentaríamos).
Com a massificação (que apareceu em 1793, na
França) teve início o desaparecimento do bom gosto e dos bons costumes. Tudo
foi ficando líquido (Bauman), excêntrico (Stuart Mill), poroso, transitório.
A moral aristocrática (defendida por Nietzsche) foi
substituída (ou é compartilhada, em muitos lugares) pela moral da prazerosa
vulgaridade democrática, que se caracteriza (a) pela espontaneidade do Eu, (b)
pela liberação dos instintos elementares e (c) pela ausência de mediações
culturais e simbólicas civilizatórias (Gomá Lanzón).
Qual a saída para isso? Temos que reformar nossa
prazerosa vulgaridade e isso pode ou deve ser feito, sobretudo, por meio da
exemplaridade (Gomá Lanzón). Seja exemplar (para seus filhos, para sua família,
para seu bairro, para sua cidade, para seu país). Uma nova paideia
(educação cívica) tem que ser dirigida à exemplaridade.
É impossível edificar uma cultura sobre as areias
movediças da vulgaridade (diz Gomá Lanzón 2009:12), visto que “nenhum projeto
ético coletivo é sustentável se está baseado na barbárie de cidadãos liberados,
porém, não emancipados, personalidades incompletas, não evoluídas,
instintivamente autoafirmadas e desinibidas – dispensadas – do dever”.
Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino
LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça
(1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [
assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e
entrevistas] ]
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