Havia
vida naqueles olhinhos, quatro brilhantes refletindo a luz do dia; havia
esperança que os movia, esperança inocente, entre sorrisos, brincadeiras,
abraços e o amor comum à infância. Então... Veio o homem sem esperança, sem
brilho, sem amor... O homem não sorriu, entrou pela casa e encontrou os dois
irmãos juntinhos, brincando, como sempre. A irmã mais velha, de treze anos se
levantou assustada, olhou para o jovem forte, negro e carrancudo entrando pela
sua casa sem ser convidado. Correu para junto do irmão mais novo, de nove anos,
abraçou-o e perguntou:
“O
que você quer?”
“Esqueci
uma coisa minha aqui e vim buscar” - Respondeu o homem, secamente.
Aquele homem havia estado mais
cedo na casa para receber uma dívida de R$140,00 do irmão mais velho das duas
crianças. Como ele só recebeu R$100,00, resolveu voltar para receber o restante
de outra forma.
Ao vê-lo na sala, olhando em todas as direções, a
criança de nove anos disse:
“Não tem mais ninguém em casa... Vá embora, por
favor.”
“fiquem
quietos. – Ordenou o homem. Vim receber o resto da minha dívida e vou levar o
notebook como pagamento."
A súplica daquela criança passou
como uma rajada de vento nos ouvidos do jovem e, assustadas, começaram a
gritar. O homem se aproximou delas e as esbofeteou com violência. Sentiu um
prazer quase que absoluto em bater-lhes. Os dois irmãos caíram no chão e o homem
arrasto-os para quartos separados. Amarrou a garota com o fio de um carregador
de celular e o garoto com um lençol. Depois, foi até a sala, apanhou o
notebook, dois celulares e um tablete. A garota, no entanto, conseguiu escapar.
Ao perceber que ela tentava fugir, acertou-a com um soco e tornou a amarra-la
com o fio do carregador de celular. Só que desta vez, deu um nó no fio envolto
no pescoço dela.
Na mente daquele homem não
bastava apenas levar os objetos, era preciso se vingar do irmão delas. Foi até
os quartos com uma garrafa de álcool nas mãos e olhou-as. A menina mais
entendeu o que se passava e suplicou:
“Não
nos mate, moço, não faça mal pra gente.”
Surdo por um desejo de vingança
incontrolável, na mente daquele jovem forte, de 21 anos, perpassava a imagem do
irmão mais velho daquelas duas pequenas vidas. Queria se vingar dele e deixaria
sua marca naquela casa, da forma mais perversa possível. O irmão dos dois
inocentes lhe devia e não pagou. Pagaria de outra forma.
As duas crianças, que há poucos
instantes sorriam em seus folguedos, vislumbraram a crueldade plena na face
do carrasco que acendeu o isqueiro calmamente. O brilho nos olhos daquele homem
era opaco, assustador. A menina entendeu o tamanho da crueldade que
estava acontecendo contra si e seu irmão. Entendeu que chama que ardia na mão
do jovem de 21 anos, terminaria com os seus sonhos e com os sonhos do seu
irmão. Só não entendeu a razão pela qual estava terminando sua passagem pela
terra de forma tão dramática e cruel. Queria até perguntar para o homem por que
ele estava fazendo aquilo. Será que não bastava levar todos os objetos eletrônicos
da casa? Mas, ela estava engasgada pelo medo. Nada havia a fazer. Fechou os
olhos e gritou o quanto pode quando as chamas começaram a consumir seu corpo.
Ouviu os gritos do irmão no outro quarto, pedindo por socorro e foi tudo mais o
que ainda pode ouvir. Quis poder estar ao lado dele e abraça-lo.
O homem mal se virou calmamente
e seguiu na direção da sua casa, onde guardou o
que havia roubado. Depois, foi para a casa da namorada do outro lado
cidade. Ela, ao vê-lo, abraçou e lhe disse:
“Você
tá fedendo queimado. Que cheiro danado de fumaça!”
Ele olhou para a namorada,
sorriu e respondeu:
“Tou
mesmo... Queimei uns bichinhos lá em Ceilândia pra servir de exemplo pra outro
bicho.”
Tomei por base para esta
narrativa, o assassinato de duas crianças no último dia 12 de maio em
Ceilândia, cidade Satélite de Brasília, no Distrito Federal. Não citei o nome
do assassino por entender que ele não merece ter seu nome citado. Com mais
essas mortes eu pergunto o que está acontecendo pelas periferias do Brasil? Uma
mulher é assassinada por ter sido confundida com uma sequestradora; outra
mulher foi torturada e morta por ter furtado um pacotinho de bolacha; um garoto
é morto por que era um empecilho na vida de uma madrasta; um homem foi quase
linchado por ser irmão de um suposto pedófilo; e duas crianças são queimadas
vivas por que eram irmãos de um homem que devia R$140,00 para um psicopata.
Isso tudo sem contar a quantidade de moleques armados, assassinos impiedosos
praticando assaltos pelas ruas das cidades do Brasil.
A população não confia na
polícia, não confia na justiça, não confia nos políticos, não confia na saúde e
está aterrorizada quando sai de casa, com medo das greves nas empresas de
ônibus e metrôs. Isso é uma merda. Sim, isso mesmo, como disse o bêbado subindo
a avenida da minha cidade: “merda pura esse negócio todo.”
Por que a população não confia
na polícia? Por que a população não confia na justiça? Por que a população não
confia nos políticos? Por que a população não confia no transporte público? Por
que a população não confia no sistema de saúde? Todo mundo sabe por quê. Boa
parte das polícias está corrompida, com bandidos nas suas fileiras; a nossa
justiça é a mais lenta do mundo, além de privilegiar quem tem dinheiro; a maior
parte dos políticos é corrupta e ou defende interesses pessoais; O nosso
transporte público é um dos mais caro do mundo e com a pior qualidade; e o
nosso sistema de saúde está falido.
Talvez a resposta para o caos
que está se instalando no meio das classes menos favorecidas do Brasil esteja
na falência das suas instituições, como explicitado acima. Uma nação onde a
justiça falha em demasia, tende a rumar para a desordem.
Texto integral de Pedro Paulo de Oliveira.