Imaginemos a história ou a estória -como preferirem – de uma
criança, uma menina, criada num lugar onde todos a veneravam,
cercada de empregados fiés e prontos a servi-la a todo momento, e
onde os seus desejos eram atendidos; imaginemos que essa criança era
filha de um pai, chamado de o “pai de todos”, estremamente
habilidoso em se cercar de pessoas e negociar para que o lugar onde
moravam estivesse sempre harmonioso e nada faltasse nem para a sua
família e muito menos para os serviçais.
Essa criança, na verdade, fora adotada, recebeu o nome de Equidna, e
cresceu junto ao “pai de todos”, aquele ser habilidoso, negociante
esperto, que sabia burlar os devedores, trocar favores e ganhar
divedendos pela sua alta capacidade de falácia, um verdadeiro senhor
da guerra.
O lugar onde moravam foi adquirido através de uma longa disputa e
logo que se viu dono de tudo o “pai de todos” tratou de expulsar
os seus antigos administradores e colocou outros em seus lugares, de
sua confiança, pagando-lhes, diga-se de passagem, muito bem. A sua
ideia era formar um clã e, para isso, ele trabalhou com afinco,
tendo ao seu lado, fiés escudeiros. Os antigos empregados, serviçais
que eram considerados ralé pelos antigos donos do lugar, foram
erguidos a condições superiores, passando a fazer parte do novo
clã. Tudo isso o “pai de todos” fez para fortalecer o clã, pois
sabia que, quando se aproximasse o oitavo ano à frente do clã, a
disputa se reiniciaria e ele precisaria ter ao seu lado, todos fiés,
empregados, administradores e vizinhos.
Sete longos anos se passaram e o clã se fortaleceu. Mas, para que o
clã se tornasse forte, o “pai de todos” necessitou fazer muitos
acordos esdrúxulos e perigosos com os antigos empregados e com os
vizinhos velhacos para que o reino não fosse invadido pelos inimigos
que o desejavam ardedemente para si. Pagou dinheiro alto e desviado
dos cofres do clã para mantê-los como aliados na proteção do
reino.
Enquanto o “pai de todos” construia e solidificava o clã, a
menina se transformou numa mulher e a preferida dele. Como ele tinha
outros muitos filhos, gerou uma ciumeira doida. Mas, ele era o chefe
do clã. Bateu o pé e deixou claro que seria ela a substitui-lo no
comando do clã.
Quando se iniciou a disputa, o “pai de todos” se colocou no
comando das estratégias e, com a sua habilidade costumeira,
lembrando a todos que ele havia nascido das cinzas, alçou a glória
e tirou a ralé da miséria. Com esse discurso e pagando muito bem
para os vizinhos protegerem o clã, teve o apoio de todos para
indicar sua pupila para substitui-lo.
Equidna deveria assumir o papel de “mãe de todos”. Mas, assim
que assumiu a direção do clã, mostrou-se inábil para negociar com
empregados, administradores e vizinhos. Descobriu, logo no início,
que os poços de água da mansão serviam para abastecer, também, as
caixas de água dos vizinhos. A melhor e mais pura água ia para os
administradores e vizinhos. Percebeu que os empregados não passavam
de massa de manobra nas mãos do “pai de todos”. Era tudo um
engodo. Compreendeu que o “pai de todos” era um sabio, hábil
caçador, mestre na arte da guerra e da morte.
Nos primeiros quatros anos à frente do clã, Equidna compreendeu
que não poderia ser a “mãe de todos”, como o seu pai. O que ela
não sabia era da regra, algo previsto e guardado por um feroz lobo
sempre pronto a devorar o “pai de todos”, e a ela, se necessário
fosse
Logo, todos descobriram que a água dos poços estava sendo desviada
para os vizinhos que potegiam o clã. Quando ela abriu os cofres da
mansão para pagar as contas, não havia dinheiro suficiente. O lobo,
então, rosnou e mostrou a todos as falcatruas que corriam naquele
lugar. Os amigos de Equidna começaram a se afastar dela e muitos
deles foram arrancados e jogados para fora. Outros, foram
enviados para o cadafalso. O “pai de todos” ressurgiu para proteger sua
pupila e o clã. O lobo, feroz, rugiu para afastá-lo.
Equidna se sentiu perdida. Recebeu conselhos do “pai de todos”.
Tentou segui-los. Não conseguiu. Uma tremenda confusão foi armada e
o lobo formou uma matilha e se fortaleceu. Passaram a maquinar para
arranca-la do comando do clã. Foi, então, que ela percebeu que os
seus vizinhos, antigos aliados, começaram a debandar para o lado do
lobo feroz. Tiraram a pele de cordeiro e se transformaram e lobos. Uma grande armadilha foi preparada para tira-la da chefia
do clã e a encuralaram com os poucos serviçais que lhe restaram
fiéis.
Neste momento... Sim. Tacitamente agora, a menina que se fez mulher e chefe de um clã, está
orfã do “pai de todos”, pois o lobo com a sua matilha o expusou
do clã. A menina, protegida e fiel ao clã, não conseguiu ser a
“mae de todos. O lobo feroz, com a sua matilha, tenta despedaçar o
que restou do “pai de todos” e arrancar o poder de Equidna, que
luta para se manter de pé e forte com o que lhe restou de fiéis
serviçais.
Será que a menina, agora mulher orfã, será devorada pelo lobo
feroz, juntamente com o “pai de todos”?
Pedro Paulo de Oliveira
Acadêmico de Direito, Palestrante, Especialista em História.
Imagem: festival do rio
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