segunda-feira, 21 de outubro de 2013

UM PROMOTOR DE JUSTIÇA, A TERRA E UM ASSASSINATO BÁRBARO NO SERTÃO DO BRASIL.




O que pode motivar alguém a praticar um crime bárbaro mesmo diante da possibilidade de ser descoberto, preso e até ser morto também? A primeira possibilidade que motiva crimes no Brasil é que, mesmo sendo eles perpetrados contra autoridades, a prisão será, apenas, um detalhe e a condenação, baseada, no Código de Processo Penal, uma piada, em que o assassino, por mais cruel que seja, não será condenado a pena superior a trinta anos. Com um detalhe: mesmo havendo agravantes que não permitam a redução da pena, o condenado sempre será beneficiado pelo sistema.

No Brasil existe outro tipo de problema: a pistolagem. Nas capitais, nas grandes cidades e no sertão do país, matar alguém é apenas um detalhe. Como já foi dito pelo Redator, nas grandes cidades, mata-se por um par de tênis, por uma motocicleta, por R$100,00, por ciúmes, por conta das disputas de territórios entre os traficantes e pela corrupção e covardia de policiais bandidos. No entanto, fala-se muito pouco da criminalidade no Sertão do Brasil.

Para que possamos entender melhor, o Sertão do Brasil localiza-se em grande parte da Bahia, de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Piauí. No Ceará, o Sertão ocupa praticamente todo o estado. Já nos estados de Sergipe e Alagoas, o Sertão ocupa uma pequena parcela. Por fim, o Sertão avança em grande parte do Norte de Minas e do Vale do Jequitinhonha no estado de Minas Gerais. Como se pode perceber, o Sertão localiza-se numa região do Brasil que foi, por muito tempo, esquecida pelas autoridades e ainda é usada como moeda de troca por políticos corruptos. O índice de analfabetismo nessa região é altíssimo e os salários pagos aos trabalhadores não chegam a um terço do Salário Mínimo. As condições de saneamento básico são péssimas, não existindo praticamente nas periferias das cidades e na zona rural. Com isso, a mortalidade infantil é uma das mais elevadas do mundo e a perspectiva de vida da maior parte da população não passa dos 50 anos.



Thiago Faria de Soares há pouco tempo postou na rede social, na sua página pessoal, um depoimento aos seus ex-alunos pedindo-lhes desculpas pela falta de comunicação. Dizia ele que sentia saudade dos tempos de professor e que estava falando de um hotel, pois estaria indo acertar com a editora a publicação de mais dois livros de sua autoria. Destacava, ainda, que estava muito feliz como promotor de justiça, um sonho realizado. No entanto, dizia que não tinha tempo para quase nada, mas que estava pensando em aceitar um convite para voltar a dar aulas. Fez questão de falar de uma pessoa especial (sua namorada), mulher de fibra, trabalhadora e companheira fiel. Falou, enfim, de uma cirurgia de hérnia pela qual passou e que Deus estava presente em sua vida.
Thiago, no seu depoimento não citou, em momento algum, detalhes de qualquer problema que estivesse vivendo. Mas, havia um enigma grave na sua vida. Logo que foi nomeado promotor, enviaram-no para o Agreste Pernambucano, exatamente para Itaíba, uma cidade com aproximadamente 30 mil habitantes e localizada a 400 km da capital. De certa forma, ele gostou da mudança. Precisava recomeçar sua vida depois de terminar seu casamento. Enquanto atuava como Promotor de Justiça, conheceu Mysheva Freire Ferrão Martins e, em pouco tempo os dois estavam namorando. Mysheva, no entanto, era descendente de uma família poderosa do agreste de Pernambuco e sobre a qual pesava várias acusações de crimes, incluindo assassinatos.

Thiago, mesmo não querendo se envolver nos negócios pessoais da namorada e da família Martins, à qual ela pertencia, descobriu que ela estava às voltas com uma disputa por terras na vizinha cidade de Águas Belas. Ela havia arrematado 25 hectares de terra na zona rural dessa cidade por 100 mil reais em um leilão da justiça trabalhista. No entanto, a pessoa que ocupava essas terras era nada menos e nada menos que Zé Maria de Mané Pedo, apelido de José Maria Pedro Rosendo Barbosa, homem poderoso, temido e sobre o qual pesa vários processos, inclusive por suspeita de assassinatos. Além disso, a família de Mysheva era desafeta da família de Mané Pedo. O pai de Mysheva é suspeito de ter mandado matar Mané Pedo, o que não conseguiu. Ora, a esposa de Mané Pedo era uma das herdeiras desses 25 hectares de terra, mas a antiga dona deixou uma dívida trabalhista, o terreno foi a leilão e acabou sendo arrematado por Mysheva. Mané Pedo tentou a reintegração de posse, acabou perdendo a ação e creditou sua derrota à influência de Thiago na Promotoria.

Mas, para uma pessoa que possui um patrimônio extraordinário como Mané Pedo, o que lhe interessaria uma ninharia de terra de 25 hectares? Ocorre que, nesse pedaço de terra, está localizado um veio de água mineral que rende mais de 1 milhão de reais por ano. Eis a questão. Mané Pedo não queria abrir mão dessa bolada. No entanto, diante da ordem judicial, se viu obrigado a entregar a propriedade para sua nova dona. Mas, ele estava com uma certeza na mente: o promotor de justiça a havia ajudado na ação de reintegração de posse e, talvez, até nos lances do leilão.

Nesse período de disputas judiciais, Mané Pedo e seus familiares ruminaram um ódio implacável contra Thiago, o forasteiro que foi apoiar a advogada. Thiago, por sua vez, protegido pela capa do Ministério Público, partiu para o ataque, visitou as terras de Mané Pedo e fotografou vários crimes ambientais sendo praticados por lá. Foi a gota d’água. Mané Pedo se irou de vez.





O CRIME.

Noite de domingo, 13 de outubro de 2013, zona rural de Águas Belas, no Agreste pernambucano. O vento sopra morno e levanta uma fina poeira que forma pequenos redemoinhos. Faz dias que não chove. Mané Pedo está na varanda da sua casa, de pé e parece impaciente, olhando a estrada que se desenha na paisagem e se perde nas sombras. Algumas pessoas proseiam na sala, quase cochichando, como se temessem ser ouvidas por pessoas indiscretas. Mané Pedo Aguça o ouvido, dobra a cabeça e coloca a mão em forma de concha sobre a orelha. Escutou o ronco de um carro se aproximando. Logo, um Fiat Uno se desenha na estrada, aproxima-se da varanda, estaciona e dele desce um sujeito ventrudo, de estatura média, cabelos grisalhos e entradas de calvície na fronte larga. Os dois homens se olham e Mané Pedo ordena:
---- Vamos entrar Edmacy.
Edmacy entrou, cumprimentou cada um dos presentes, serviu-se de bebida numa garrafa sobre a mesa e se sentou. Mané Pedo, demonstrando muito nervosismo, perguntou-lhe:
---- Veio preparado?
---- Sim. Está tudo lá no carro e já carregado. Só preciso saber quem vai comigo.
Mané Pedo mostra-lhe um homem, em silêncio, sentado no canto da sala e lhe explica como deveria ser:
---- Apenas o doutorzinho deve morrer. Se a namorada estiver com ele, deixa ela ir embora. Não quero encrenca com a família dela. Você sabe bem por que. Não quero nenhum membro da minha família morto. Se não acontecer nada com ela, não teremos uma guerra por aqui. Você entendeu?
Edmacy não gosta da ideia. É um matador frio profissional. Não gosta de deixar rastro. Por isso, contesta:
---- O senhor sabe que serei reconhecido e a polícia vai me apertar até não poder mais.
---- Eu sei o que quer dizer. Se alguém tiver que pagar, seremos nós dois e teremos os melhores advogados, liderado pelo meu filho que é doutor da lei e não tem medo de polícia ou de juiz.

Edmacy entende o que Mané Pedo está lhe dizendo. É um pacto de honra, onde a pistolagem tem o seu preço e tem os seus acordos.


Manhã do dia 14 de outubro de 2013 em Águas Belas, no Sertão pernambucano. Thiago se levanta por volta das 7 horas, faz a sua higiene e toma o seu café, bem da forma como faz todos os dias. Está um pouco cansado. Debruçou-se sobre vários processos durante o final de semana, inclusive alguns relativos a Mané Pedo. Olha através da vidraça a movimentação que se inicia na rua e lembra que há duas semanas pediu para ser substituído nos processos que envolviam suspeitas contra Mané Pedo e o Ministério Público de Pernambuco achou melhor transferi-lo de comarca. Mas, como a publicação ainda não havia saído, tinha que dar andamento nos processos em Itaíba.

Thiago sabe que, da mesma forma que recaem muitas suspeitas sobre a família de Mané Pedo, a família da sua noiva também é investigada. Isso o incomoda em excesso. Como representante do Ministério Público, ele tem que ser imparcial e manter um limite onde o pessoal não pode extrapolar o público. No entanto, ele sabe que, namorando Mysheva, gostando dela em excesso ele ultrapassou esses limites ao tirar as fotografias da propriedade de Mané Pedo.

Thiago olha o relógio, suspira fundo, sente um calafrio perpassar-lhe o corpo, anda pela sala, de um lado para o outro por mais de um minuto. Depois, sai de casa, retira o carro da garagem e vislumbra Mysheva chegando com o seu tio. Desce do veículo e vai na sua direção. Ela o abraça e o beija.
---- Vamos embora? - Pergunta Thiago aos dois.
---- Sim. - Responde Mysheva, mostrando várias pastas com processos – Já peguei tudo que precisava para hoje.
Em poucos instantes eles ganham a Rodovia Estadual P300. Thiago liga o som e tenta encontrar uma rádio. Mysheva ri e diz que naquele fim mundo as rádios não pegam. Só quando chegassem a Itaíba. Thiago procura, então, o pen drive. É Mysheva quem o encontra no porta-luvas. Uma seleção de Música Popular Brasileira toca para os ouvidos dos viajantes. O tio de Mysheva não gosta. Prefere forró ou sertanejo.
Thiago olha no retrovisor e vê que um Fiat Uno preto segue a poucos metros da sua traseira. Olha para Mysheva, sorri e lhe pergunta:
---- Tudo arrumado para primeiro de novembro?
---- Claro, meu amor. – Responde ela, acariciando-o na face. - Nosso casamento será o acontecimento do ano. Afinal, estou me casando com a pessoa mais especial desse mundo.
Ele sorri novamente. Sente-se extremamente feliz. Mas, nesse instante, seu carro recebe o impacto de duas explosões. Ele olha para o lado e vê o Fiat Uno pareado com ele. Os vidros traseiros do seu carro estão espatifados e o tio Mysheva está deitado no banco. O carona do Fiat manda que ele encoste. Thiago não sabe o que fazer. Olha para Mysheva ,que pergunta, apavorada:
---- Meu Deus, o que eles querem?
---- Não sei, meu amor. Mandaram eu encostar. Vou obedecer. São ladrões, com certeza, e vão levar o carro, nosso dinheiro e nossos pertences.
Logo que ele encosta, quem desce do Fiat Uno é Edmacy, empunhando uma espingarda calibre 12. Seus olhos estão vermelhos e esbugalhados. Ele avança como um raio e atira várias vezes na cabeça de Thiago que não tem tempo sequer de levantar as mãos para pedir por clemência. Edmacy olha para Mysheva gritando por socorro e sacode a cabeça. Ela pula do carro e foge desesperada, seguida por seu tio. Edmacy entra de volta no seu carro e desaparece.
No automóvel, estacionado no acostamento, o corpo caído para o lado, com parte da cabeça dilacerada pelos tiros, Thiago encerra seus sonhos de professor, de escritor já consagrado e de Promotor de Justiça. O jovem promotor finda, também, no Agreste de Pernambuco, como tantos outros pernambucanos ao longo do tempo, seu sonho apaixonado de construir uma nova família. A pistolagem, implacável entre os desafetos, numa região onde ainda prevalece a Lei de Talião, termina com mais uma vida, destrói uma mente, talvez, brilhante.


CONCLUSÃO





Num lugar onde não existem heróis e a lei consegue ser muito pouco eficiente e só age de forma contundente quando é ferida no seu cerne, como no caso do assassinato do Promotor Thiago, parece que o cangaço ainda existe. No sertão, em meio à miséria, o poder é exercido, ainda, por uma espécie de coronelismo, onde os desafetos são eliminados por pistoleiros profissionais, homens que não se importam de ser presos ou mortos. Como a lei no Brasil é pouco implacável, existe um paralelo entre os assassinatos, sejam eles praticados nas grandes cidades, sejam no sertão. O criminoso, ao praticar um crime cruel, sempre pensa que haverá uma saída para ele. Ele até foge. Mas pensa: “Se eu for pego, cumpro a pena e saio logo, enquanto o outro, nunca mais volta”.



Texto de Pedro Paulo de Oliveira.




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