segunda-feira, 28 de outubro de 2013

A MORTE BRUTAL DE UM INOCENTE DE 17 ANOS. UMA DISCUSSÃO SOBRE O DIREITO À VIDA.





O corporativismo existe em muitas profissões e, até certo ponto, é normal, desde que não ultrapasse certos limites e prejudique a população. No entanto, diante de muitos e recentes acontecimentos, seria interessante uma discussão mais apurada sobre o corporativismo policial. Claro que criticar policiais neste país ou em qualquer outro lugar do mundo sempre foi muito complicado e perigoso. Normalmente, em todas as ações que esses agentes da lei praticam, existe, entre eles, o corporativismo. O corporativismo no meio policial, seja militar ou civil é, inclusive, duro. O policial delator de colega é colocado em desgraça eterna. A grande maioria dos policiais, logo que veste suas fardas e coloca suas armas na cintura, é acometida por uma sensação de poder, impunidade e prepotência. É comum ver policiais agindo de forma truculenta em situações onde bastariam suas presenças para coibir ações de pessoas ou grupos de marginais, e onde inocentes estão no meio.

Infelizmente, a nossa população honesta, trabalhadora, formada por homens e mulheres das classes médias baixas, tem medo da polícia, tal como tem medo dos bandidos. O medo se equivale. Isso não é normal. O normal seria que as pessoas tivessem os policiais como amigos e que, ao vê-los, não temessem ser abordadas de forma truculenta e mortas por um tiro.

Ora, a palavra polícia, que deriva de polis, que por sua vez significa cidade, deveria nos encher de orgulho, tornar-nos cidadãos melhores, mais proativos e servir-nos de exemplo de dignidade. Mas não é o que vem acontecendo, em extensão alarmante, em cidades como o Rio de Janeiro, São Paulo, Vitória, Salvador e várias outras capitais, incluindo Belo Horizonte, em menor escala. Quando cito Belo Horizonte em menor escala, não é porque seja essa cidade a capital do estado de onde é escrito este texto, mas por que a Polícia Militar mineira, ao longo da sua história, tem sido mais contundente contra as faltas dos membros da sua corporação. Ela nem está isenta de faltas dos seus membros e existem vários policiais presos em batalhões e outros expulsos por crimes diversos.


No entanto, a discussão que se inicia no momento coloca, em especial, as Polícias Militar do estado de São Paulo e do Rio de Janeiro em xeque. Há anos essas corporações vêm sendo alvo de denúncias graves de abusos de autoridade, assassinatos, torturas, corrupção, tráfico, formação de quadrilhas e sequestros. Com certeza esses grupos armados, fardados, com distintivos e em carros oficiais, não representam a maioria das corporações. Mas, conseguem criar uma imagem de terror emanando da maioria dos policiais.


A MORTE DE DOUGLAS


Vamos ao fato que está indignando o povo simples e trabalhador de São Paulo (não percebo indignação em nenhum grande empresário que anda de helicóptero ou político que anda de avião):

Douglas é um garoto e 17 anos, de estatura mediana, moreno e esguio. Fenótipo típico de um jovem brasileiro, morador de periferia, mistura de raças. Ele mora na Vila Medeiros, periferia de São Paulo e está cursando o 3º ano do ensino médio. Gosta de trabalhar, mesmo ainda não tendo maioridade e faz “bicos” numa lanchonete do bairro. Ele está feliz, sonha grande e, com o dinheiro que recebeu, recentemente do seguro desemprego, comprou seu primeiro carro, um Volkswagen Gol. Não é lá um carro novinho. Mas, está em bom estado e vai ficar guardado até ele completar 18 anos e tirar sua carteira de habilitação.

É domingo, dia 27 de outubro, Douglas levanta tarde e, depois do almoço, convida seu irmão mais novo para saírem. Seu irmão está entrando na adolescência e já completou 13 anos. Douglas ficou sabendo que haveria um campeonato de pipa em Atibaia e queria participar. Essa é a paixão dele. Os dois saem pela rua, encontram um amigo e vão conversando sobre o campeonato de pipa, cada um expondo seu ponto de vista e as manobras que Douglas poderia fazer nas disputas. Os três chegam ao Bairro Jardim, na Rua Bacurizinho, onde mora o amigo de Douglas. Nesse ponto, eles param para que o amigo avise seu pai que eles pretendem ir até Atibaia. O amigo se afasta e os dois irmãos ficam em frente a um bar aguardando-o.

A Polícia Militar recebe uma reclamação de que no Bairro Jardim, nas proximidades da Rua Bacurizinho, esquina com a Rua Mendes da Rocha, um carro está tocando funk com o som elevado. Uma viatura que está nas proximidades é acionada para fazer a verificação dos fatos e, se comprovado, fazer valer a lei do sossego. O policial Luciano Pinheiro Bispo está no banco do carona e saca sua pistola Ponto 40 e a engatilha. A viatura sai em alta velocidade com o giroflex ligado. Em poucos instantes os policiais entram na Rua Bacurizinho. Eles observam os garotos, o bar aberto, o resto da movimentação. O motorista dá a volta na rua e a viatura passa paralela a Douglas que olha distraidamente para os policiais no seu interior. Luciano Bispo, com a arma em punho, engatilhada e com o dedo no gatilho, sente um tranco na sua mão. Um tiro foi disparado da sua arma. Ele olha para a rua e vê Douglas, que lhe pergunta, quase numa súplica:

---- Por que o senhor fez isso comigo?

O Policial Luciano Bispo olha para os colegas e todos descem da viatura. Aproximam-se de Douglas que, sem forças, dobra os joelhos com o peito atravessado por uma bala ponto 40.

Um pouco afastado, um garoto de 13 anos olha a cena sem poder acreditar no que está acontecendo. Pensa que tudo não passa de um pesadelo. Olha em volta e não pode fazer nada. Vê seu irmão tombando sem vida e precisa ficar em silêncio. Está aterrorizado, sem fala, temendo pela própria vida e pensa que, se fizer alguma coisa, um movimento suspeito, também será morto. Olha para o amigo ao lado do pai e percebe, nos olhos de cada um deles, o mesmo horror.

Douglas olha para o irmão, fecha os olhos, pensa no seu pai, pensa na sua família, pensa no seu carro. Seus pensamentos se apagam; terminam seus sonhos; encerra-se a sua vida que poderia ser longa, cheia de vitórias e muitos amigos.

em Atibaia, as pipas cortam o céu azul.




CONCLUSÃO:

O Policial Luciano Bispo foi preso em fragrante, autuado por crime culposo (quando se mata sem intenção). Sem querer discutir os méritos da atuação de quem indiciou esse policial, méritos, talvez, jurídicos, não tem graça essa forma de prisão. Se não, vejamos: será que o Policial Luciano Bispo não sabia que poderia matar uma pessoa com a arma engatilhada e mirando para ela? Claro que sabia. A partir do momento em que ele empunhou a arma, engatilhou-a e mirou na direção do garoto Douglas, assumiu, conscientemente, o risco de matar. Da forma como ele agiu, tinha, sim, a intenção de matar. Ninguém empunha, engatilha e mira uma arma para alguém sem a intenção de matar.

O cidadão Douglas deveria ser protegido pela policia e nãos ser assassinado por ela. Ele, como qualquer outro cidadão, queria e deveria ter orgulho da sua “polis”, respeitar os agentes da lei e, acima de tudo, ser livre para ir e vir.

Douglas está morto. Nada no mundo vai mudar esse fato. No entanto, que a sua morte sirva para mostrar à polícia de São Paulo onde estão os seus erros e a sua banda podre. Talvez, um dia, os bons policiais – e existem muitos – possam se impor e sejam exemplos a serem seguidos, não incutindo medo aos cidadãos de bem.



O que a população de bem pede é muito pouco. Pede, apenas, que os governantes, que governam para ela, mantido com o dinheiro dos impostos descontado dela, tenham um mínimo de decência e lhes dê, além de outros direitos básicos, o direito à vida.



Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

Imagens: bcuia.org

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