segunda-feira, 7 de outubro de 2013

A VIDA E MORTE DE ARTUR POR UM TÊNIS.




Cidade de Suzano, Estado de São Paulo, Brasil. Sexta-feira, dia 04 de outubro de 2013 e a noite já tomou conta das ruas faz um bom tempo. Passa das 21 horas e os barzinhos noturnos estão preparados para receber os jovens e velhos Boêmios. Nas portas das escolas fervilham os ânimos para o final de semana que se inicia. Nas avenidas os carros brilham e espalham sons altos que ecoam nos edifícios. As luzes dos faróis se confundem com os letreiros e as janelas abertas. Nas calçadas e nas praças os casais se encontram e combinam o programa da noite. Muitos estão com os celulares ligados, conversando e aguardando seus parceiros.

Artur Felipe está na sala de aula e olha para o relógio. Já passa das nove horas da noite. Está quase terminando a prova do curso de direito. Ele estudou bastante para aquele teste e o fez com muita atenção. Não queria fazer feio para os seus pais, mesmo estando apenas com 20 anos. Seus pensamentos viajam para o dia em que, já como bacharel em direito, prestaria o concurso para a magistratura. Esse é o seu sonho! Perpassa om olhar, mais uma vez, por toda a folha de teste, respira fundo, verifica que deu o melhor de si. Sorri, levanta-se, entrega a folha para o professor e deixa a sala.

Relaxado e caminhando solto pelo corredor da escola, Artur cumprimenta alguns amigos, vai até o banheiro, alivia a bexiga, lava as mãos e ajeita o penteado de frente com o espelho. Seus cabelos ruivos estão curtos e ele pensa: “Pô, eu me pareço pra caramba com meu pai”. Sente-se orgulhoso dessa constatação. Afinal, seu pai é o seu herói, o homem que luta dia a dia pelo seu futuro, pela sua felicidade. Sai do banheiro e agradece a Deus pela sua família.

Mas, como filho de Deus, Artur que havia estudado durante toda a semana, agora estava indo ao encontro de uma jovem. Ele a havia conhecido através das redes sociais e marcado encontro com ela às nove e meia. Convencera-a a levar uma amiga, dizendo que levaria, também, um amigo. Ele havia usado essa estratégia para que o encontro ficasse mais aberto, mais divertido. Ela topou. Encontra o amigo esperando-o no portão da escola. Os dois se cumprimentam com alguns toques de mãos e palavras de ordem. Artur explica que eles devem ir para a Rua General Francisco Glicério, em frente à Escola Estadual Luiz Bianconi.

Artur está usando calça jeans, camisa de malha polo e um tênis importado que ganhara recentemente de seu pai. Precisava estar muito bem vestido e bonito para aquele primeiro encontro. A garota, através das fotos postadas no Facebook, parecia uma gatinha.

A moto é uma CG 125 e ronca na noite. Os dois amigos dão risadas e Artur grita que a noite é uma criança e que as meninas estão esperando. Logo eles estão percorrendo a ruas e avenidas rumo ao seu destino. Avistam, enfim, a Escola Luiz Bianconi. Estacionam a moto do lado oposto de um bar onde avistam as duas garotas. Eles descem. Artur é o primeiro a tirar o capacete e as garotas acenam para eles. Ele se vira para o amigo e diz que as “minas são lindas”. De repente, mesmo antes que o seu amigo tire o capacete, dois outros jovens, de estaturas medianas e morenos se aproximam acintosamente. O mais alto deles, cabelos curtos e crespos, está empunhando uma arma. Ele grita que quer a moto e manda o amigo de Artur entrega-la. Assustado ele diz: “leva, pode levar.” Artur permanece em silêncio e se espanta quando um dos bandidos, o que está com a arma na mão, olha-o e grita: “hei, você com esse tênis! Artur sente um calafrio percorrer sua espinha. O tênis de mais de mil reais que ganhara a poucos dias virava motivo de desejo do bandido. Aqueles safados não podiam levar seu tênis. Artur salta para trás e o bandido, sem hesitar, dispara a arma. O tiro acerta em cheio o peito de Artur e vara nas suas costas. O bandido se aproxima e tira o tênis de um dos pés.

Em poucos segundos os bandidos saem correndo. Na fuga o que carregava nas mãos apenas um pé de tênis, olha para uma casa e o joga em frente ao portão. A casa, coincidentemente, é a casa onde mora a família de Artur.

Enquanto isso, as garotas e o amigo de Artur gritam por socorro. Artur ainda caminha. Não acredita que o tiro vai levar sua vida e seus sonhos. Afinal, ele tem muitos anos, ainda, para viver; vai namorar muitas garotas; vai se formar e virar juiz de direito; e dar muito orgulho para seu pai. Seu amigo e as garoas o amparam. Não percebem que o tiro havia atravessado seu corpo e o levam para o bar. Dentro do bar descobrem o ferimento no peito e nas costas. Chamam o SAMU que chega rapidamente. Mas Artur já está pálido, se forças e perdendo a consciência.

Em casa, a mãe de Artur, que havia escutado o estampido, sai na rua. Caminha meio sem rumo, tomada por um estranho pressentimento. Na sua mente a imagem do seu Artusinho vem e volta. Ela avista um movimento no bar e vai até lá. Conhece, de longe, a calça e a camisa do filho. Corre ao seu encontro, ajoelha-se ao seu lado e grita por ele. Pede aos paramédicos e a Deus para salvá-lo. Artur segura na mão da mãe, aperta-a e solta. Já não tem mais forças. Os paramédicos acodem-no rapidamente, tentam estabiliza-lo e o levam para o hospital.

Artur tem uma última visão ao percorrer o corredor branco e cheio de luz do hospital. Vê seu pai, seus amigos, as garotas, sua mãe. As luzes do teto do corredor o ofuscam e ele fecha os olhos, cansado e com sono. Entrega-se ao sono sem perceber que está morrendo.


Fim de uma história, fim de uma vida, como tantos outros finais de vida pelo Brasil afora. Vidas se vão em troca de um tênis, de um celular, de uma calça, de uma câmera de um fotógrafo famoso ou de uma garota comum. As ruas estão contaminadas por uma doença chamada “impunidade”, onde, numa cidade bonita como o Rio de Janeiro, um pedreiro é preso, torturado e assassinado pela elite da Polícia Militar. Então, o bandido pensa: “Se eles podem, eu também posso”! Em um país onde o Congresso mantém o mandato de um deputado preso, o bandido pé de chinelo imagina que o crime compensa, pois, afinal, tem até congressista como representante. No Brasil, o cidadão de bem virou refém da sua própria dignidade. O cidadão de bem é aquele que peleja diariamente pela sua vida e não encontra no estado a segurança necessária para viver em paz.


Talvez Artur não tenha sido assassinado apenas pelo tênis, ou por que tenha reagido, corrido ou se assustado, assustando o desgraçado na sua frente. Talvez... Talvez... Para aqueles que o amaram e cultuam a sua imagem, apenas importa que Artur se foi muito antes do dia em que deveria realmente ir. O bandido que o matou, certamente merecia esse tipo de morte. Artur, não.

Texto de Pedro Paulo de Oliveira.

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