quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

CRÔNICA DE UMA MORTE ANUNCIADA

Uma belíssima obra literária, escrita sob a forma jornalística, por Gabriel Garcia Marques, onde um personagem (Santiago Nassar) tem a sua morte anunciada pelos irmãos gêmeos Pablo e Pedro Vicário como forma de vingança pela desonra da irmã de ambos. A Irmã deles, de nome Ângela, foi devolvida na noite do casamento pelo marido por não ser mais virgem. Ela, sob pressão, aponta Santiago como o autor do seu desvirginamento.

Tudo aconteceu numa noite e cinco horas após os irmãos gêmeos terem conhecimento das informações dadas por Ângela. Logo que souberam, eles anunciaram a morte de Santiago. Nas cinco horas seguintes, mesmo todo mundo sabendo das intenções dos irmãos gêmeos, nada foi feito para impedir que eles, ao final matassem Santiago a facadas.

...viram Santiago Nassar entrar, empapado de sangue, levando nas mãos o cacho de suas entranhas. Poncho Lanao me disse: ‘Nunca pôde esquecer o horrível cheiro de merda’. Mas Argênida Lanao, a filha mais velha, contou que Santiago Nassar caminhava com a altivez de sempre, medindo bem os passos, e seu rosto de sarraceno com os cabelos crespos desalinhados estava mais belo do que nunca. Ao passar diante da mesa sorriu-lhes e caminhou pelos quartos até a saída dos fundos. ‘Ficamos paralisados de susto’, disse-me Argênida Lanao. Minha tia Wenefrida Márquez estava escamando um sável no pátio de sua casa, do outro lado do rio, e o viu descer as escadas do molhe antigo, procurando, com passo firme, o caminho de sua casa.

‘Santiago, filho’, gritou-lhe, ‘que houve com você?’.
Santiago Nassar reconheceu-a. ‘
Me mataram, querida Wene’, disse.

Faço alusão a essa belíssima obra de Gabriel Garcia Marques, publicada em 1981, onde o texto foi desenvolvido de forma jornalística e os fatos são contados por um narrador onisciente como forma de mostrar que as tragédias na maioria das vezes são anunciadas. Tragédias anunciadas podem ser evitadas. No caso de Santiago não pode, tendo em vista a covardia de Ângela e do próprio povo da localidade.

A morte alheia, daqueles seres distantes, do outro do lado de lá e que conhecemos somente de vista ou nem conhecemos e que ficamos sabendo que existiam apenas a partir do momento em que morreram, já nem nos choca tanto mais. Amedronta-nos – aí sim – a nossa morte e dos nossos entes amados. Na eminência de perder ou na própria perda de um pai, uma mãe, um irmão, um filho ou um neto nos sentimos desamparados e gritamos aos céus.

No dia nove de fevereiro deste ano, na pequena cidade de Carvalho, no Sul de Minas Gerais, o professor de educação física da cidade de Liberdade, localizada na mesma região, Lucas Vilela Pedrosa, de 25 anos de idade, aproveitando a tarde ensolarada, seguiu para a região do Franceses, uma comunidade rural do município. Sua intenção era passar a tarde numa das cachoeiras que lá existem e, por isso, levou a esposa e a filha de apenas seis anos de idade, Ana Clara da Silva Vilela para fazer-lhes companhia. Tudo parecia bem, a felicidade era visível para todos. A água cálida refrescava-os e todos os problemas estavam esquecidos naqueles instantes. Mas um brado cortou o ar, misturando-se ao som das águas. Ana Clara deslizou nas pedras e a água a carregou para longe. Lucas sentiu a dor lancinante de ver a filha sendo carregada pela implacabilidade da natureza. Seus olhos se dilataram e foi tomado por um impulso incontrolável. Não hesitou. Jogou-se nas águas para resgatar sua filha. Entretanto, a correnteza foi mais forte que ele, tragando-o. A mãe, desesperada, desceu pelas pedras e, minutos depois, deparou-se com a cena trágica: Ana Clara, sem vida, no meio da espuma formada pela correnteza e pelos seixos.

O Corpo de Bombeiros foi acionado e vasculhou toda a extensão da cachoeira e, quando a noite já se prenunciava, o corpo sem vida de Lucas foi encontrado no meio das pedras e bancos de areia. A tragédia se completava, anunciada e cruel.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

NAYRA E O CHAVELHO DE ESPINHOS NA FAIXA DE GAZA

" Esses pequeninos, cheios de sonhos, sonhos que embalam o mundo, distantes das       ambições e da crueldade dos homens e mulheres que...